20 de out. de 2009

"Comércio mundial vai se recuperar mais rápido"

Um dos maiores especialistas em comércio internacional, o economista indiano Jagdish Bhagwati está otimista. Ele acredita que as trocas entre os países vão crescer "desproporcionalmente mais rápido" do que a economia global no pós-crise.

Na sua avaliação, o colapso do crédito foi o principal responsável pela queda do comércio mundial e, uma vez que os fluxos de financiamento sejam restabelecidos, as exportações retomarão o vigor.

Bhagwati, que é professor da Universidade de Columbia e há muito cotado para receber o Prêmio Nobel, defende a conclusão da Rodada Doha. Ele afirma que terminar o processo vai garantir a credibilidade da Organização Mundial de Comércio (OMC), órgão fundamental para impedir que o protecionismo se espalhasse na atual crise como nos anos 30.

O economista pede que Brasil e Índia retomem a aliança nas negociações multilaterais. Avalia que o presidente Lula vai encontrar "parceiros confiáveis" na Índia, agora que o primeiro-ministro Manmohan Singh se livrou da pressão das eleições. A Índia foi uma das principais responsáveis pelo colapso da última tentativa de concluir Doha.

Um dos primeiros apoiadores de Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos no meio acadêmico, Bhagwati disse que ele é "um desapontamento terrível". A seguir, a entrevista concedida ao Estado por e-mail.


Qual o efeito da desvalorização do dólar para o comércio mundial?

O declínio do dólar significa que haverá um impacto primário de melhora nas contas externas dos Estados Unidos. Mas isso não vai durar até que o excesso de gastos dos americanos, refletido em seu déficit comercial, esteja curado. Mesmo que a China afundasse no oceano, o excesso de gastos dos EUA simplesmente migraria para outros países. Em relação à questão se os dias do dólar como moeda de reserva mundial acabaram, não há nenhuma indicação. Que moeda vai substituir o dólar? Os chineses nem sequer têm uma conta de capitais totalmente conversível. Euro e iene também não qualificam. Os DES (Direito Especial de Saque, espécie de moeda criada pelo Fundo Monetário Internacional)? Ninguém seriamente acredita que o mundo vai caminhar para um sistema DES.


Começam a aparecer sinais de melhora nas exportações de países como Brasil, Coreia e Taiwan. É o início de uma recuperação consistente do comércio mundial?

O comércio mundial efetivamente está revivendo. Assim como a economia mundial. Os sinais verdes são substanciais, apesar da fragilidade da recuperação e de economistas pessimistas como Roubini (Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova York) e Krugman (Paul Krugman, professor da Universidade de Columbia) expressarem um cauteloso otimismo.


O impacto da crise para o comércio foi pior que na década de 30?

Os contrastes com 1930 são tão atraentes como os paralelos. Na década de 30, o protecionismo se espalhou para o mundo: alguns para retaliar na mesma proporção, outros apenas para imitar. Isso reduziu extensivamente o comércio. Hoje, temos a OMC. Essa instituição define as regras e previne que os países membros aumentem as barreiras. Tivemos um retrocesso, mas não como se não houvesse a OMC. No entanto, houve grande impacto no comércio porque a crise atual não foi só macroeconômica, mas também financeira. O colapso do crédito se estendeu para a área comercial, porque os exportadores precisam de capital de giro. O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, disse que isso significa apenas 10% da queda do comércio mundial. Mas meu colega, professor David Weinstein, acaba de produzir um estudo sobre as exportações do Japão na crise e descobriu que o declínio do capital bancário explica um terço da queda das exportações japonesas em 2008. Portanto, enquanto a economia mundial renasce, o comércio vai crescer desproporcionalmente mais rápido, assim como ocorreu antes da crise com internacionalização da produção das multinacionais. O aperto que o colapso do crédito produziu nas exportações será reduzido. Podemos ser otimistas.


Mas assistimos a algumas medidas protecionistas importantes nos últimos meses, como o "Buy American". Isso pode ameaçar a recuperação global?

Acabei de mencionar que o crescimento do protecionismo foi menor do que temíamos. Isso tem a ver com o fato de que agora a economia mundial é muito mais integrada do que em 1930 ou mesmo do que há três décadas. Quando o presidente Obama promulgou o "Buy American", empresas exportadoras como General Electric, Boeing ou Caterpillar correram para dizer que perderiam mercado no exterior se outros países retaliassem. Tenho argumentado que os países devem retaliar porque apenas isso serviria para impedir que o protecionismo se espalhe de maneira expressiva hoje. Pelo contrário, na década de 30, a retaliação simplesmente aumentou o protecionismo.


Como avalia a administração Obama em relação ao livre comércio?

Apoiei Obama desde o início, muito antes de ele triunfar sobre Hillary Clinton. Argumentei que ele seria menos anti-comércio. Mas Obama tem sido um desapontamento terrível. Ele permitiu que os sindicatos que temem o comércio com países emergentes e pobres o pressionassem. Até agora, seu silêncio em relação ao comércio tem sido eloquente, e suas ações como o "Buy American" e as barreiras contra os pneus chineses foram vistas por uma luz mais protecionista do que realmente foram. Em relação a Doha, onde está Obama? Ele não tem liderado e não tem seguido outros países como o Brasil. Estou feliz por ele ter ganhado o Nobel da Paz, mas onde está o grande homem do multilateralismo na questão multilateral realmente importante do seu tempo, a Rodada Doha? Que irônico!


A Rodada Doha está morta?

Acredito que apoiadores da Rodada Doha vão muito longe quando dizem que promoverá um impulso reinflacionário. Como alguém conhecido como grande apoiador do livre comércio, eu gostaria que fosse verdade. Mas o melhor argumento para fechar a Rodada Doha é que, se não o fizermos, depois de mais de oito anos vai prejudicar a credibilidade da OMC. E a OMC dá as regras, mesmo que fracas.


O Brasil colocou todas as fichas na Rodada Doha. Foi um erro?

O presidente Lula está absolutamente correto. Os acordos bilaterais são uma resposta inapropriada. Lula deve se concentrar na Rodada Doha, assim como o ministro Celso Amorim. Eles vão encontrar parceiros confiáveis na Índia pós-eleições, onde o primeiro-ministro Manmohan Singh - liberado da pressão de aliados comunistas - está mais entusiasmado em fechar a Rodada.


Estamos nos aproximando da Conferência de Copenhague e analistas no Brasil acreditam que o aquecimento global vai se transformar em barreira comercial no futuro.

Temo que tenham razão. O Congresso dos EUA está determinado a adotar tarifas de equalização de emissão de carbono contra Índia, China e Brasil, se esses não concordarem com um acordo desigual e injusto em Copenhague. Os democratas lamentam que a era Bush foi unilateralista. Mas não estão fazendo por menos. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.

Fonte:Agência Estado

Nenhum comentário:

Postar um comentário