26 de mai. de 2009

Crise provoca redesenho da indústria automotiva

A crise global vai provocar uma reorganização na indústria automotiva. O movimento de consolidação do setor, que começa a se intensificar em âmbito mundial, traz novos desafios de inserção ao Brasil, diz o presidente da Anfavea (associação das montadoras), Jackson Schneider.

As exportações de veículos produzidos no país caíram 50,3% nos primeiros quatro meses deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. Na mesma comparação, as vendas internas caíram só 0,7%, estimuladas pela redução do IPI e pelo retorno no crédito. Mas a indústria não deve contar com o mercado interno. "Precisamos de uma nova estratégia de inserção global", afirma Schneider.

Leia a seguir a entrevista com o presidente da Anfavea.

FOLHA - A produção no Brasil vem sendo afetada especialmente pela queda nas exportações. Há um componente de protecionismo, além da redução da demanda?

JACKSON SCHNEIDER - Os mercados do Brasil no exterior tiveram quedas muito fortes, alguns caíram mais de 70%, como no Chile. E nossas exportações caíram em alguns mercados mais do que a demanda por veículos em si, porque os países agora também tentam privilegiar a sua indústria. Não há um protecionismo claro, mas se vê em alguns países uma mudança na compreensão do que seria a defesa de suas indústrias. E esse é o grande risco que enfrentamos. Na crise, diminui a paciência e a tolerância em relação aos projetos de integração.

FOLHA - O senhor acredita que a crise já tenha chegado ao pior nível? Há algum sinal de melhora?

SCHNEIDER - Em um mundo que sai da previsibilidade, fica difícil dizer. Mas há sinais de melhora, como uma recuperação mais rápida na China e mesmo alguns indicadores no mercado dos Estados Unidos que apontam alguma reação da economia. No setor automotivo propriamente, não se vê retomada ainda. Vamos perder muita exportação neste ano. Ainda há tendência de queda, ou ao menos de desempenho bem fraco.

FOLHA - Mas, no mercado interno, podemos dizer que o Brasil será talvez o país que menos sofrerá?

SCHNEIDER - Não. A China vai ser o menos afetado e vai crescer. Alguns países também estruturaram programas interessantes de estímulo às vendas de veículos ligados à renovação de frota, como na Alemanha. Esses mercados estão crescendo mais do que o nosso.

FOLHA - No Brasil, a redução do IPI, que foi o programa de estímulo adotado, começou a perder força? Houve uma queda de 11,5% das vendas de veículos em abril...

SCHNEIDER - A redução do IPI foi muito importante. Neste ano, as vendas [em meados de maio] estavam apenas 0,6% abaixo do que no mesmo período do ano passado, considerando que 2008 foi o melhor ano. Vimos uma pequena queda no princípio deste mês e uma recuperação em seguida. Então não acho que esteja perdendo força. Mesmo porque ainda temos uma demanda não atendida, o que significa uma oportunidade que outros países não têm.

FOLHA - A Anfavea vai lutar para que o benefício seja prorrogado novamente?

SCHNEIDER - O IPI foi um instrumento que deu certo, funcionou. Sem isso, teríamos deixado de vender 200 mil carros. Foi o que segurou as autopeças e a cadeia como um todo. Em dezembro [quando o IPI reduzido entrou em vigor], havia 300 mil carros parados nos estoques, o suficiente para dois meses. Como a cadeia poderia resistir? Além disso, a redução do IPI gerou maior ganho tributário, porque permitiu um volume maior de arrecadação de outros tributos também. Mas temos a informação de que não será renovado a partir do final de junho. Como está longe, não estamos falando disso com o governo.

FOLHA - E no caso de não prorrogação, como as vendas devem se comportar?

SCHNEIDER - Deve haver uma queda em julho, sim, quando acabar o benefício. Mas é difícil dizer de quanto. Não vamos falar em revisão de projeções por enquanto.

FOLHA - Há uma série de negociações entre as montadoras no mundo que envolvem aquisições. Como o sr. vê esse movimento de consolidação do setor?

SCHNEIDER - O mundo vai sair com outro desenho dessa crise. Há vários cenários possíveis. Na China, deve haver uma consolidação entre as 14 marcas lá existentes de modo que sobrem duas ou três com bastante força no mercado chinês, no primeiro momento. E, no segundo momento, elas buscarão uma internacionalização. Mas há diversos redesenhos possíveis por conta da crise.

FOLHA - Haverá menos competidores no mercado?

SCHNEIDER - Algumas marcas podem sair e outras podem entrar. Já há movimentos anunciados, entre a Fiat e a Opel, por exemplo. Mas não para por aí. A indústria está pensando em uma nova forma de trabalhar, para cortar custos de produção e aumentar o poder de barganha no processo de compras.

FOLHA - O avanço da China é preocupante? A Chery, montadora chinesa, já manifestou interesse em vir para o Brasil. E aqui já há alguns modelos chineses em circulação. Isso pode trazer um problema para a indústria?

SCHNEIDER - Não necessariamente. Não se sabe ainda como isso virá. Se houver maciça exportação de carro chinês para cá, pode ser um problema, claro. Mas eles podem produzir aqui, o que pode representar uma oportunidade de parcerias com empresas já instaladas no Brasil.

FOLHA - Como fica o Brasil nesse processo de consolidação? A Fiat, por exemplo, já mostrou interesse em adquirir ativos da GM na América Latina...

SCHNEIDER - Como as marcas instaladas no Brasil são globais, o redesenho global vai nos afetar, mas não acho que haverá um movimento de consolidação local, e sim negociações globais que poderão ter repercussão aqui. Esse movimento de consolidação vem no sentido de dar melhores condições às empresas para suportar a crise e ganhar mais força.

FOLHA - A tendência, com esse "redesenho", é que o Brasil se saia bem?

SCHNEIDER - O Brasil foi rápido e pragmático para lidar com a crise. Mas como ficará no futuro é uma questão complexa. É preciso definir o tamanho que o Brasil quer ter. O mercado interno é muito importante, e todos vão se dedicar a isso. Mas, se quisermos uma inserção no mundo, precisamos pensar em qual é o potencial que temos. Aí será preciso retomar um ciclo de investimentos para aumentar a qualidade do país em termos de competitividade.

FOLHA - E o que a indústria automotiva do país precisa fazer para se inserir bem nesse contexto?

SCHNEIDER - Temos que avaliar os gargalos e dificuldades de inserção. Quando o mercado vai bem, ou seja, você consegue vender o que produz, é possível mascarar as deficiências estruturais. Mas, quando o consumo diminui, essas ineficiências cobram um preço maior e significam perda de competitividade. Precisamos rever problemas como estrutura tributária, infraestrutura logística, custo de crédito e procedimentos burocráticos. Precisamos agora nos revisitar enquanto país e procurar uma nova estratégia em termos de estrutura produtiva.

FOLHA - Isso foi colocado para o governo?

SCHNEIDER - Essa não é uma proposta de curto prazo, mesmo porque os mercados que estão em queda não vão responder a curto prazo. Não podemos, por exemplo, exportar imposto. Temos créditos tributários que são difíceis de receber e, quando recebemos, o custo financeiro já está embutido. Há imposto na folha do trabalhador que produz para exportação, há custos excessivos de logística. Precisamos ver o que queremos para o Brasil quando a crise acabar. Por isso, trata-se de uma questão não para o governo, mas para o país.
Fonte:Folha de São Paulo

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