29 de set. de 2009

Exportação de serviços puxa venda de bens

Atrasado pela chuva no Rio de Janeiro, o cargueiro MV Columbian Express atracará nesta semana em Santos, onde o aguardam US$ 6,5 milhões em mercadorias, entre elas cinco ônibus Volkswagen de 40 lugares, 16 caminhões e uma usina de asfalto, com destino a Guiné Equatorial, um dos exóticos mercados descobertos pelo Brasil nos últimos anos.

É uma empresa brasileira, a construtora ARG, quem, na Guiné, demanda essas exportações e toda operação é só uma fração dos mais de US$ 500 milhões em mercadorias que, segundo estimativas informais do governo, serão exportadas em 2009 para obras de construtoras do Brasil no exterior.

O Ministério do Desenvolvimento e o BNDES comemoram o crescimento das exportações de serviços de construção e engenharia, que vem funcionando como alavanca para exportações de bens, aproveitando o financiamento oficial. Inferiores a US$ 100 milhões anuais até 2002, os desembolsos do BNDES para financiamento de serviços de engenharia e construção ao exterior tiveram comportamento oscilante até 2007, quando deram um salto para US$ 665 milhões. Em 2009, chegaram a US$ 957 milhões até agosto e devem somar US$ 1,25 bilhão neste ano.

É essa quantia que permite aos técnicos do governo estimar uma venda de pelo menos US$ 500 milhões, aproximadamente, em mercadorias vinculadas a obras de firmas brasileiras no exterior. "As empresas brasileiras tentam agregar ao máximo exportações de mercadorias destinadas às obras, porque já têm financiamento garantido", diz o superintendente da área de comércio exterior do BNDES, Luiz Antônio de Araújo Dantas.

Segundo Dantas, cerca de 55% das exportações brasileiras de serviços de construção são dirigidas para América Latina; os outros 45% vão principalmente para a África, onde o Brasil disputa cada vez mais com os chineses, que costumam incluir diretamente no pacote de financiamento para fornecimento dos serviços exigências de uso de material e mão de obra da China.

A Odebrecht, maior empresa com operações do gênero, estima vendas de mercadorias vinculadas a exportações de serviços, no primeiro semestre, de US$ 280 milhões (mais de R$ 550 milhões), como já informou o Valor. Em 2008, essas vendas alcançaram R$ 1,3 bilhão, 58% acima de 2007, quando ficaram pouco além de R$ 800 milhões. A empresa chegou a ser a maior exportadoras de botas do Brasil, com a compra do produto no mercado interno para abastecer canteiros de obras em Angola.

Estudo realizado em 2003 pela LCA, consultoria do hoje presidente do BNDES, Luciano Coutinho, constatou que, em média, 40% das exportações brasileiras de serviço em geral são feitas sob a forma de mercadorias, que incluem bens para projetos desenvolvidos pelas construtoras no mercado local. O percentual médio varia de 53% para projetos de irrigação a 24% para rodovias.

Mas certos projetos demandam bem mais, como exemplifica Dantas. Investimentos de US$ 400 milhões em uma usina da Camesa argentina devem representar importações de 53% em bens brasileiros; a linha 3 do metrô de Caracas, na Venezuela, 40%, e a hidrelétrica Las Placetas, na República Dominicana, 37%.

A ARG, sediada em Belo Horizonte, exportou até US$ 5 milhões em máquinas de costura para Guiné Equatorial, onde criou um ateliê de costureiras assessoradas por brasileiras, para fornecer tecidos. Para o rancho dos operários, instalou uma horta de 10 mil metros quadrados e planeja exportar até cabras, para um capril que passará a servir também o mercado local. "Exportamos fubá, feijão e guaraná. O governo da Guiné já manifestou interesse em comprar produtos do Brasil no ano que vem", diz o superintendente de comércio exterior da empresa, Alcebíades Nunes. "Uma obra é a melhor feira de exportação que existe".

A Andrade Gutierrez, encarregada da obra de uma usina de fosfato, no Peru, trocou propostas de venda de uma planta de dessalinização americana e de tubos equatorianos por similares brasileiras para obter financiamento do BNDES, cujas condições de pagamento compensaram o custo US$ 3 milhões superior dos fornecedores do Brasil.

"Se o financiamento é de outras fontes, pode haver exigência de compras em outros mercados", diz o diretor de financiamentos estruturados da Andrade Gutierrez, Luiz Cláudio Jordão. "Quando exportamos o projeto básico e o detalhamento de obras de infraestrutura, as especificações técnicas tendem a indicar material brasileiro", explica Dantas, do BNDES, ao defender que as exportações de serviços geram empregos no Brasil por demandar produtos das indústrias locais. "O projeto básico e de detalhamento é fundamental".

Entre os principais itens exportados, pela e para a Odebrecht, estão R$ 147 milhões em tubos de aço, R$ 107 milhões em chapas de aço e US$ 15 milhões em tubos e conexões. Em 2008, os itens exportados em maior volume foram tubulações e acessórios (R$ 334 milhões) e aço para construção (R$ 108 milhões).

A capacidade logística da empresa e suas relações com o governo de Angola levaram a empresa a montar, a pedido do governo local, uma rede de supermercados, a NossoSuper, abastecida com exportações da Olex, recém-criada subsidiária da empresa, que quer operar também as exportações de produtos destinados às obras da construtora no país.

A empresa reúne uma cadeia de quase 1,6 mil fornecedores de bens, cujas exportações têm crescido de forma exponencial: 74 mil itens em 2006, 103 mil em 2007 e 160 mil itens em 2008, principalmente em produtos como equipamentos de proteção e segurança individual, ferramentas, máquinas e equipamentos para obras, peças de reposição, aço e lubrificantes.

O crescimento das exportações de serviços e seu impacto sobre as exportações de mercadorias levaram o governo a montar um novo sistema informatizado de acompanhamento, semelhante ao Siscomex, que é dedicado às vendas de mercadorias ao exterior. O Siscomserv, que começa a funcionar, para testes, no dia 1º de outubro e entra em operação plena no próximo ano, trará discriminados dados precisos sobre os volumes e valores de mercadorias exportados a partir das vendas de serviços ao exterior - informações hoje não organizadas no governo e disponíveis apenas de forma fragmentada pelas empresas.

"É por causa do crescimento nas exportações de serviços como esses que estamos tendo esse trabalho todo para montar o sistema", comenta o diretor do Departamento de Políticas de Comércio de Serviços, do Ministério do Desenvolvimento, Maurício Doval.

Fonte:Valor Econômico

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