29 de set. de 2009

Propaganda enganosa

Eu não pensei que fosse viver para ver isso: concorrência entre estradas. Em princípio, algo fantástico, a ser aplaudido, um subproduto inesperado do processo de concessão de rodovias à iniciativa privada.

Quem anda ultimamente pela Rodovia Presidente Dutra encontra muitos e grandes outdoors colocados em terrenos privados às suas margens, assinados pela concessionária que assumiu recentemente as rodovias Ayrton Senna e Carvalho Pinto (a ECOPISTAS), tentando seduzir o usuário, com promessas de “pistas livres” e “pedágio quase pela metade”.

Claramente essas mensagens são dirigidas aos caminhoneiros, já que, como todo mundo sabe, cerca de 70% da receita da NOVADUTRA é proveniente de veículos de carga. Além disso, os próprios dizeres dos painéis publicitários não deixam dúvidas sobre qual é o público-alvo da campanha: “De pesado já basta a carga. Ayrton Senna/Carvalho Pinto. Pedágio por quase metade”; “Congestionado nem o nariz. Pistas livres e pedágio por quase metade”, entre outros.

Como se costuma dizer, “melhor que isso, só se fosse verdade”. É aqui que mora o problema: a mensagem é malandra, tenta levar o caminhoneiro na conversa, como se ele fosse um idiota. Alguém é capaz de imaginar um bom motivo para o dono de um caminhão escolher ficar enroscado nos congestionamentos da Dutra, pagando o dobro do que pagaria nas “pistas livres” do complexo Ayrton Senna/Carvalho Pinto? É claro que não há. Fosse verdadeira a informação, não haveria necessidade de outdoor, todos os caminhões já estariam rodando na antiga rodovia dos Trabalhadores, sem que a concessionária desta precisasse fazer qualquer esforço de convencimento.

Atenção pessoal da ECOPISTAS: caminhoneiro não é burro e sabe fazer contas. Ele conhece perfeitamente as vantagens e desvantagens de ambos os percursos. Ele sabe, por exemplo, que a Dutra tem um traçado mais antigo e é mais congestionada que a concorrente. Mas, certamente, as suas tarifas de pedágio não são o dobro da outra. Bem ao contrário, aliás, no trecho em que elas concorrem, isto é, entre São Paulo e Taubaté, a Dutra tem tarifas menores, por quilômetro percorrido, que as do complexo Ayrton Senna/Carvalho Pinto.

Já ouvi dizer que, quando a ECOPISTAS fala em “pedágio quase pela metade” ela não estaria se referindo à comparação de suas tarifas com as da NOVADUTRA mas, sim, ao confronto com as antigas tarifas de pedágio, vigentes no corredor estadual, ao tempo em que ele era administrado pela DERSA. De fato, com a assunção daquela concessionária privada, as tarifas de pedágio da Ayrton Senna/Carvalho Pinto tornaram-se sensivelmente menores do que as praticadas pela estatal. Mas é evidente que, se fosse esta a intenção, não haveria por que colocar outdoors na Via Dutra com aqueles dizeres. Só faria sentido que eles estivessem às margens da própria rodovia em que ocorreu tão benfazeja redução.

A intenção, obviamente, era mesmo a de gerar a confusão que de fato gerou: dez em cada dez pessoas que lêem aqueles painéis entendem exatamente o que o publicitário esperto queria que elas entendessem, ou seja, que as tarifas da NOVADUTRA seriam quase o dobro das da concorrente, o que é completamente falso, como já disse acima.

Resta a hipótese de uma campanha bem-humorada, “de mentirinha”, só para chamar a atenção do usuário e provocar a ira do concorrente. Mas não quero nem supor que um grupo econômico sério, como é o caso, possa brincar com um assunto tão grave. O Código de Defesa do Consumidor não admite essas “espertezas”. Ao contrário, ele exige que toda vantagem anunciada seja efetivamente entregue ou garantida ao consumidor. A concessionária em questão bem que merecia uma ação civil pública para obrigá-la a efetivamente cobrar tarifas 50% menores que as da NOVADUTRA, conforme prometido nos anúncios de beira de estrada.

Mas, mesmo que esse não seja um caminho juridicamente viável, há de haver uma ação ou da agência reguladora, ou do Ministério Público, ou mesmo do CONAR, órgão de auto-regulamentação publicitária, no sentido de fazer cessar essa campanha de mau gosto, que tripudia sobre a inteligência alheia.

* Geraldo Vianna, é ex-presidente da NTC&Logística, conselheiro do CETRAN-SP, e membro, recém-nomeado, do Conselho Consultivo da ARTESP e da Câmara Temática de Esforço Legal do DENATRAN.

Fonte:Geraldo Vianna

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